A Comunidade muçulmana de Porto Velho é destaque em artigo internacional, publicado no site da EMAJ Magazine, no último final de semana. O artigo titulado como Ramadan in the Brazilian Amazon, é assinado pela jornalista Lú Braga e concorre ao prêmio Ramadã 2011, com outros jornalistas de seis nacionalidades diferentes. O resultado da premiação será na próxima sexta-feira (09).
O significado do Ramadã é relatado no artigo, de forma simples, envolvente e mostra com a comunidade muçulmana sunita celebra o período sagrado na capital portovelhense. Estima-se que em Porto Velho possua pouco mais de 60 seguidores do Islã. Hoje o Brasil é considerado o maior país islâmico das Américas. São mais de mais de 1,5 milhão de seguidores em todo o país.
Tradução do artigo em português.
O Ramadã na Amazônia Brasileira - Por Lú Braga
Vestígios de sangue marcam a última sexta-feira do Ramadã, período em que os muçulmanos acreditam que foi revelado o Alcorão. O mês sagrado para eles chega ao fim, marcado por mortes, pessoas feridas e protestos. O Ramadã é o nono mês do calendário islâmico. Os muçulmanos devem jejuar 30 dias, da hora que sol nasce até a hora em que sol se põe. Quem está jejuando não deve comer, beber ou ter relação sexual durante a luz natural.
Assim como o domingo é sagrado para os cristãos, a sexta-feira o é para os muçulmanos. Em meio às adorações, o mundo volta os seus olhos para a destruição provocada por Muamar Kadafi. Na noite de ‘Lailatul Qadr’, considerada pelos muçulmanos a noite do Decreto, na qual, segundo eles, as orações serão ouvidas por Allah (Deus) e recompensadas por milhares de meses, as preces são repetidas com muita fé e os olhos ficam encharcados de lágrimas, devido às marcas de sangue derramado pelas ações de Kadafi.
Diante do cenário inacreditável, as orações semanais ganham mais força, e são realizadas com o coração. Assim, evidencia-se o desejo de que o ex-homem forte da Líbia seja capturado, e a paz, estabelecida.
Bem distante do cenário de terror provocado por Kadafi, uma comunidade muçulmana, de aproximadamente 60 pessoas, professa o islamismo, na região amazônica brasileira. A comunidade é formada, na maioria, por descendentes de imigrantes sírios e libaneses. Para atualizar os horários das orações, utilizam frequentemente o ‘Islamic Finder’ (um software que informa os horários para as cinco orações islâmicas diárias).
A comunidade participa ativamente do Ramadã. Os que têm problema de saúde, as gestantes e as mulheres que estão amamentando estão liberados do jejum. Mas quem não se abstém das refeições pode participar do Ramadã fazendo caridades, explica o Sheikh Jihad Hassan Hammadeh, vice-presidente da WAMY na América Latina e vice-secretário geral do Conselho Superior dos Teólogos e Assuntos Islâmicos do Brasil. “Se há uma pessoa idosa, ou enferma, ou que não tem condições físicas para realizá-lo, então ela fica isenta, tendo que repor os dias que ela não jejuou ou fazer uma doação para os necessitados por cada dia que deixou de jejuar”, explica o Sheik.
Em Porto Velho, a temperatura neste período oscila entre 35 e 40 graus, o que faz com que a necessidade de consumir água aumente. Para o Hammadeh, isso não pode servir como desculpa para não participar do Ramadã. “Acredito que o maior obstáculo é manter-se equilibrado, controlando o temperamento, as vontades, o pensamento; a mudança é fundamental neste período.”
O muçulmano Muhammad Hijazi Zaglout, que convive com as altas temperaturas amazônicas, explica que o calor talvez seja o maior obstáculo para se cumprir o Ramadã, mas compartilha da mesma opinião do Sheik. “Na época do nosso sagrado Profeta, o jejum era praticado em regiões desérticas, em que o calor era avassalador. E isso acontece até hoje. Nos primórdios do Islã, a dificuldade era ainda maior, havia escassez de alimento até mesmo para o desjejum.”
Segundo ele, as dificuldades não param por aí. Na comunidade, ainda existem famílias que não levam o Ramadã em consideração. “O mais complicado são aquelas famílias que não possuem muito conhecimento sobre a religião e a enorme importância que o mês sagrado de Ramadã representa na vida do muçulmano.”
Zaglout salienta que as responsabilidades de quem conhece um pouco mais a religião aumentam. “Devemos transmitir o conhecimento adquirido para os demais membros da comunidade. Isso pode fazer com que haja maior solidez entre nós, aumentando o número de acertos e diminuindo os erros durante esse abençoado mês.”
Kassem Mohamad Hijazi comanda um tradicional restaurante árabe na cidade. Sua rotina começa às 5 horas da manhã, quando realiza suas primeiras orações e, logo depois, segue direto ao trabalho. Durante o Ramadã, segundo ele, não é possível fazer o jejum. Hijazi diz encontrar dificuldade também em não consumir água. “Aqui é muito quente, sinto necessidade de tomar muito líquido e também temos que controlar o sabor das refeições que serão servidas.” Ele salienta ainda que, por muitos anos, jejuou: “Na época que eu vivia no sul do Brasil, as responsabilidade de trabalho eram outras e o clima colaborava muito. Hoje, faço caridade, ajudo quem precisa e ando com o coração limpo para adorar Allah.”
Imagino que jejuar durante 30 dias seguidos não deva ser nada fácil, pois se exige preparo físico e mental. É muito necessário treinar os nossos olhos, ouvidos, desprender-se de preconceitos, ignorância e despertar a curiosidade. Já convivi com muçulmanos em alguns lugares do mundo. Na Europa, morei num condomínio habitado por mulheres vestidas de burcas e homens que pregavam o Alcorão. Na Ásia, tive uma experiência mais próxima da religião. Já na África, comecei a entender um pouco do que era o Islã, e, no Brasil, descobri que o assunto é provocador.
Resolvi, por isso, entender o verdadeiro significado do Ramadã para os seguidores do islamismo. Na explicação de Zaglout, é um período de reflexão, exercício de paciência, autocontrole das práticas ilícitas. “A recompensa vem de Allah, cada ato voluntário e de bondade no mês sagrado de Ramadã, garantirão ao muçulmano inúmeras virtudes, e formará uma comunidade mais justa e solidária.”
Para Badra Hijazi Zaglout, no Ramadã, as famílias ficam tomadas de felicidade e compaixão. Na sua família, o mês é celebrado de acordo com os mandamentos de Allah. “Há mútuo auxílio entre os integrantes de cada família e até certa disputa em oferecer ao próximo um copo de água para seu desjejum”. Segundo ela, o ato é muito virtuoso entre eles.
O Ramadã não pode ser encarado como um regime, algo que contribua para perder peso e alimentar a vaidade. Os muçulmanos podem comer durante a noite toda, mas a gula é vista como pecado. A quebra do jejum na família de Badra é iniciada por uma oração; depois, são consumidas água ou frutas, e só então eles se reúnem na mesa para o jantar.
De acordo com o Islã, eles devem consumir alimentos halal (permitidos pela religião). Só que, em Porto Velho, são poucos os estabelecimentos que fornecem o alimento de acordo com o islamismo. Fui a três restaurantes árabes, na capital, e, segundo os proprietários, não são oferecidos alimentos halal em nenhum deles. Achei um tanto curioso e perguntei o motivo. Um dos proprietários, que preferiu não se identificar, disse que a clientela é formada por seguidores das mais diversas religiões. “Existe um preconceito religioso e, mesmo no período do Ramadã, não conto que estou jejuando”, finalizou o muçulmano.
O Sheik Hammadeh diz que os muçulmanos podem substituir a carne que não seja halal por outros tipos de alimentos. “Sabemos que hoje a maior parte dos frangos vendidos nos supermercados são halal, mas temos peixes, e outras substituições que podem ser utilizadas no lugar.”
No final de tantas conversas, de discussões sobre o assunto, de leituras do Alcorão, tudo na busca demasiada para cessar tamanha curiosidade da verdadeira essência do Ramadã, concluo que o ser humano tem que sair da sua zona de conforto, desprender-se das religiões, sacudir os anseios, driblar as armadilhas da vida, admirar os humildes de coração e fazer o bem, sem intenção de publicidade pessoal. Que os muçulmanos coloquem em prática o verdadeiro sentido do Ramadã e o mundo consiga viver em plena harmonia respeitando e amando o próximo sem intolerâncias religiosas.