Rubens Parada morreu cantando. Seu último bolero ele entoou em leito de morte, com altivez e desafiando as mazelas do calvário da existência. Clamando por seu parceiro, o músico Carlos Guery, e tendo por testemunha o maestro Júlio Yriarte, fez ecoar feito um bravo, a plenos pulmões, a seresta derradeira que ecoou altissonante no ambiente acústico do Hospital de Base. Há quem diga que tudo não passou de um delírio. O delírio agonizante no limiar do ser e do não-ser.
Ontem à tarde, todavia, a cidade calou. Na escala harmônica da vida, o tenor meio barítono solfejou seu falsete de despedida. O garoto nascido lá pelos idos de 1947 com o dom iluminado de cantar, saíra do mundo dos vivos e entrara para o mundo das lendas. Mas o hiato funesto do silêncio durou pouco. À noite, o espírito vivo do cantante desceu dos céus e inspirou o tecladista Guery a retomar, no plenário da Câmara Municipal, a execução da partitura do último bolero de Chubico.
Entre choro e lágrimas, as notas cadenciadas de El Condor Passa inundaram de saudade o coração de todos os amigos presentes ao funeral. Sua madrasta, Dona Élia Bastos de Parada, acompanhava emocionada o sopro sonoro dos acordes altiplanos. Seu pai, José Parada, com feições enternecidas e mirando absorto o corpo imóvel do filho, acompanhava sereno o sobrevôo do Condor por sobre o relevo da dor. Em sua memória a película das lembranças invocavam cena por cena a trajetória do homem estendido à sua frente: aos cinco anos de idade um anjo batizou o niño na pia batismal da paixão pelo canto. Mais tarde, a Rádio Educadora de Guajará-Mirim foi palco de suas primeiras aparições. Já adulto, com a alma incendiada de ardente sedução por Alda, uma Consulesa colombiana, fez shows no La Boême, na Cidade Maravilhosa, com seu fiel escudeiro, o violeiro Enrique Espanha; cantou no Guadalajara Grill, na paulicéia desvairada de Adoniran Barbosa, e viajou em turnê pelo Peru, Colômbia e Panamá, depois de ter conquistado o país tropical. Rubens Parada tornou-se um filho querido da sua terra natal e foi homenageado com o título de Cidadão Ilustre de Guayará-Merim e recebeu, ainda, a comenda Cachuela Chica junto com a lendária banda Los Médios. No início da década de 90, Parada vem cantar em Porto Velho, na Associação dos Filhos de Guajará-Mirim, a convite de Caté, Lito Casara e outros bambas da boêmia. Daí em diante escolheu esta cidade para moradia. Cantando Mi Viejo, Sabor a mi, Puerto Montt, La Barca, Malaguenha e tantas outras peças do rico repertório romântico, inclusive música rancheira mexicana, fez-se acompanhar por Milton Bastos, Armandinho e Carlos Guery; cantou com os Anjos da Madrugada, gravou o CD Americanta, em 2006, apresentou-se no Kabana’s, no Baile da Saudade, no Sesc, Consensual Bar, Mandacaru, Bar do Bigode, no Degrau’s, em Ariquemes, e no Yes Banana, onde brindou o público com uma Noite Latino-Americana, produzida por Júlio Yriarte. Aqui conheceu um grande amor: a professora Eliete, sua companheira inseparável nas marés baixas e altas da vida. Fez muitos amigos como Gessi Taborda, Manelão e Júlio Carvalho, Leo Ladeia, Paulinho Rodrigues, dentre tantos, e ganhou três irmãos: Ernesto Casanova, Júlio Yriarte e Flodoaldo Pontes Pinto. Todas essas imagens foram lançadas na tela cinematográfica da memória do Seu José Parada, naquele momento de amarga saudade e dor lancinante.
“Com sua morte – dizem os amigos – vão-se os segredos, as cumplicidades e um pouco do nosso espírito com ele; Chubico sempre foi um vencedor com alma de romântico, forjado no sangue camba que nunca renegou; além disso era da estirpe seleta de Jorge Andrade e de Válter Bártolo (felizmente ainda vivo)”.
Movido a delírio, ou não, ele de fato cantou no Hospital de Base.
Na dúvida, se alguém perguntar por quem os sinos dobram, digam que eles badalam em réquiem ao último bolero de Rubens Parada!