A humanidade está a "um erro de cálculo da aniquilação nuclear", advertiu, nesta segunda-feira (1º), o secretário-geral da ONU, António Guterres, em meio aos temores de uma escalada que não era vista desde a Guerra Fria, exacerbados com a invasão russa da Ucrânia.
"Tivemos uma sorte extraordinária até agora. Mas a sorte não é estratégia nem escudo para impedir que as tensões geopolíticas degenerem em conflito nuclear", disse Guterres na abertura da 10ª conferência dos 191 países signatários do Acordo de Não-Proliferação Nuclear (TNP).
Do Oriente Médio à Península Coreana, com a invasão russa da Ucrânia, "hoje, a humanidade está a um equívoco, a um erro de cálculo da aniquilação nuclear", advertiu, ao instar o mundo a "se desfazer de suas armas nucleares", já que é a "única garantia de que nunca serão utilizadas".
A poucos dias do aniversário dos bombardeios nucleares dos Estados Unidos sobre as cidades japonesas de Hiroshima (06/08/1945) e Nagasaki (09/08/1945) na Segunda Guerra Mundial, Guterres lembrou que a humanidade está "se esquecendo das lições daquelas explosões aterrorizantes". O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, viajou a Nova York para participar desta data importante.
Com cerca de "13.000 armas nucleares" nos arsenais, até agora o mundo conseguiu evitar "o erro suicida de um conflito nuclear", graças a uma "combinação de compromisso, juízo e sorte", mas isso pode mudar, advertiu Guterres na abertura da conferência que vai até 26 de agosto na sede das Nações Unidas, em Nova York.
'Uma guerra nuclear não pode ser vencida'
Adiada em várias ocasiões pela pandemia de covid-19 desde março de 2020, o presidente da conferência, o argentino Gustavo Zlauvinen, lembrou que, se a pandemia nos ensinou algo, é que, "aparentemente, os eventos de baixa probabilidade podem ocorrer, e ocorrem, com pouco, ou nenhum aviso, mas com consequências catastróficas que afetam o mundo".
Nesta segunda-feira, o presidente russo, Vladimir Putin, garantiu que não "pode haver ganhadores" em uma guerra nuclear, que "jamais deveria acontecer", antes de assegurar que a Rússia se mantém fiel à "letra e ao espírito" do tratado.
Em janeiro, os países líderes do TNP - Estados Unidos, China, França, Rússia e Reino Unido - fizeram essa mesma advertência, mas, nesta segunda, apenas Estados Unidos, Reino Unido e França reiteraram seu compromisso em uma declaração conjunta.
E as três potências nucleares também se voltaram para a Rússia, e pediram que Moscou respeite seus compromissos nucleares.
"Após a agressão não provocada e ilegal da Rússia contra a Ucrânia, instamos a Rússia a interromper sua retórica nuclear e sua atitude irresponsável e perigosa", acrescentaram os três países.
Além da situação envolvendo a Rússia, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, mostrou-se preocupado com a corrida armamentista da Coreia do Norte, que está preparando "seu sétimo teste nuclear", assim como do Irã, que segue no caminho de "escalada nuclear".
Blinken acusou Teerã de não "ter vontade, ou não querer aceitar um acordo" para firmar de novo o Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA, na sigla em inglês), do qual o presidente anterior dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou-se unilateralmente.
"Voltar ao acordo é o melhor resultado para os Estados Unidos, para o Irã e para o mundo", disse.
O presidente Joe Biden também instou Rússia e China a iniciarem negociações para o controle de armas nucleares e reiterou que sua administração está pronta para "negociar rapidamente" um substituto do Novo START. Este tratado põe limite às forças nucleares intercontinentais nos Estados Unidos e na Rússia e expira em 2026.
A diretora da organização não-governamental da Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), Beatrice Fihn, advertiu na ONU que o mundo está vivendo um "aumento rápido de riscos nucleares".
"Há um número de acontecimentos muito alarmantes e perigosos que solapam a confiança no TNP como uma ferramenta para fortalecer a segurança global [...] As armas nucleares estão indo na direção equivocada", advertiu.
O TNP entrou em vigor em 1970 para impedir a propagação das armas nucleares e, em particular, o parágrafo 3º do artigo VIII. Seu texto prevê uma revisão do funcionamento do tratado a cada cinco anos.
Durante a última conferência de revisão, em 2015, as partes não conseguiram chegar a um acordo sobre questões substantivas.
Esta reunião é uma "oportunidade para fortalecer este tratado e adequá-lo ao mundo de hoje", disse Guterres, que espera a adoção de "novos compromissos" para reduzir o arsenal. (AFP)