Associação de Preservação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia de Amigos da Madeira-Mamoré (AMMA)
Porto Velho (RO), 8 de julho de 2010.
Ilustríssimo Senhor
JUCA FERREIRA
MD Ministro da Cultura do Brasil
Esplanada dos Ministérios, Bloco B
Senhor Ministro
Na condição de cidadãos brasileiros, temos o direito de levar ao conhecimento de Vossa Excelência os crimes ora permitidos na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), patrimônio cultural brasileiro. Esperamos que o Ministério da Cultura do Brasil tome conhecimento, e providências, contrariando aqueles que o vêem inerte com a bandalheira que se instalou em Rondônia.
Senhor Ministro, são absurdos os derradeiros atentados contra a EFMM. Absurdos, escandalosos, estarrecedores. Não parece que vivemos num País que dependeu da nossa luta, do grito de cada um, para se tornar novamente democrático.
A EFMM foi tombada em 11 de novembro de 2005 pelo IPHAN. A meu pedido, a homologação desse tombamento ocorreu em seguida, por meio de documento endereçado a Vossa Excelência. Eu era superintendente da 16ª SR, com jurisdição para os estados do Acre e Rondônia.
Não se trata de ladainha, mas temos que lamentar, uma vez mais, a ocorrência do ridículo, da insensatez e da omissão desta terra em relação àqueles que lhes prestam e emprestam a boa vontade na busca incessante do seu resgate histórico e cultural.
Inicialmente, devemos informá-lo que devemos desculpas ao sr. Gary Neeleman, vitimado de forma inconseqüente, quando fazia palestra em Porto Velho, pela “intimação" arbitrária do IPHAN. Representantes do instituto exigiram-lhe a “repatriação” de suas documentações e pesquisas feitas durante mais de 30 anos.
O acervo de Judith Jones, americana e remanescente de confederados da guerra da Secessão, foi doado a Neeleman em 1979. Ao participar, aqui, como conferencista convidado da 2ª Conferência Internacional Meio Ambiente e Patrimônio Histórico Estrada de Ferro Madeira Mamoré, promovida pela Associação de Preservação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia e Amigos da Madeira Mamoré (AMMA), 31 de maio a dois de junho de 2010, este ilustre senhor trouxe-nos valiosas contribuições.
O Sr. Neeleman colocou-nos à disposição suas pesquisas e seu acervo pessoal e fotográfico (doado por Janeth Jones); compartilhou conosco seus conhecimentos, possibilitando às pessoas, muitas delas até então descrentes, compreender o verdadeiro sentido de buscarmos as raízes desta terra, Rondônia, Amazônia, Brasil.
Entendemos que a postura diplomática, correta, legítima e aceitável do honrado jornalista, historiador, pesquisador e cônsul americano, sr. Gary Neeleman, abre para Rondônia as portas para o mundo.
Senhor Ministro, muitos intelectuais brasileiros foram covardemente perseguidos pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e outros órgãos de repressão. Aqui em Rondônia, em pleno Terceiro Milênio, criaram um "grupo de inteligência do IPHAN". Teria se inspirado em quê? Para fazer o quê? Supostamente, para vasculhar a vida de pesquisadores, a exemplo de Neeleman, nosso convidado para apresentar suas pesquisas e descobertas relativas à EFMM e ao meio ambiente amazônico.
Somos surpreendidos a cada atitude de "inteligência" duvidosa de nossas autoridades culturais. Temos prova que, neste estado, as instituições responsáveis pela proteção do patrimônio histórico, por meio de pareceres estranhos, aderem à destruição do que resta da mais famosa ferrovia do mundo, construída com suor, lágrimas e mortes de trabalhadores de 52 nacionalidades. A maioria deles teve seus corpos enterrados no Cemitério da Candelária, já destruído criminosamente, inclusive por aqueles que um dia defenderam a sua preservação como parte do sítio histórico.
A situação criada para o Sr. Neeleman é vergonhosa e constrangedora. Ele não cometeu nenhum ato ilícito. Ele é um historiador e pesquisador. E o IPHAN? Qual teria sido o fato gerador jurídico ou administrativo para essa notificação?
Infelizmente, esse mesmo IPHAN autoriza mais destruições do patrimônio histórico, ao lado do qual deveria dormir guarnecido por seu "grupo de inteligência" e pelos diligentes agentes da Polícia Federal e zelosos promotores de justiça – pelo menos os mais dedicados á causa.
Em vez de o IPHAN pautar pelo diálogo que rege a vida democrática, age rasteiramente. No caso do Sr. Neeleman, protagonizou um ato que exalou nojeira e baixo nível. Dispensou os mínimos escrúpulos com tão nobre intelectual, colaborador e visitante.
Enquanto isso, com relação ao patrimônio cultural, aqui campeia o abuso de autoridade, feito por instituições culturais que formulam "pareceres" de gaveta, casuísticos, e autorizam um verdadeiro vandalismo oficial que permite a destruição da maior referência histórica ferroviária do Brasil.
Aqueles que fazem exibicionismo, querendo tomar do sr. Neeleman, o referido patrimônio documental e fotográfico não reuniram semelhante esforço por ocasião da perda do acervo do fotógrafo americano Dana Merril. Onde estavam eles no palco daquela liquidação de negativos e fotos, que poderia ser evitada por, pelo menos, três governadores do Estado de Rondônia?
É preciso avaliar e dar um basta a gana dos interesses politiqueiros imediatistas de pessoas que exploram imagens históricas de Rondônia para vender livros e fazer cinema. Foram essas pessoas que se infiltraram no auditório da OAB-RO, por ocasião da 2ª Conferência Internacional, se intitulando "grupo de inteligência do IPHAN.
É de se supor que o vínculo com o Ministério da Cultura deste País dispensaria tal adjetivação, visto que, no pátio da Madeira-Mamoré ocorrem crimes de sucessivas demolições e destruição do acervo histórico, que enumeramos a seguir:
— A "Serraria das Onze Horas", edificação metálica, montada peça a peça, a rebite ou parafuso, tendo vãos espetaculares. Transformou-se em bela edificação entre os anos 1908 e 1910. Suas peças foram pré- fabricadas nos Estados Unidos, fruto daquelas conquistas da Revolução Industrial (século XIX). A demolição foi bastante demorada: cortaram tudo com maçarico durante várias semanas, entre os meses de setembro e outubro de 2009. Seus restos, não se sabe que fim levaram.
— Outra edificação tombada, verdadeira raridade, brutalmente demolida em maio de 2010 pela intervenção destruidora, foi o Prédio do Plano Inclinado, ou Estação Velha. Trata-se de uma construção de madeira, também pré-fabricada, "pinho de riga", provavelmente da Austrália, levada para a America do Norte e lá trabalhada para, em seguida, vir para Rondônia. Foi montada entre 1907 e 1912, no começo do século passado. Segundo o pesquisador ferroviário Hugo Ferreira, desse prédio partiam os comboios ferroviários, levando trabalhadores para linhas de frente, de mais de 50 nacionalidades, por ocasião da construção da EFMM.
— Não há como justificar a destruição oficial, a partir de 2007, da Candelária e do Cemitério da Candelária, espécie de “ONU de Mortos”. Foi um lugar sagrado, visitado por turistas do mundo inteiro. O que ocorreu naquele lugar a 2,5 km do centro da cidade? Lamentavelmente, autorizaram um "parecer" para a execução de um plano maquiavélico, macabro, verdadeiro vandalismo oficializado. Na cara dura permitiram o seu desaparecimento, ou seus vestígios. Mutilaram tudo, contrariando a preservação ambiental do seu entorno, como determina a Portaria 231/07). Para derrubar a floresta nativa non aedificandi na Candelária, utilizaram motoserras, máquinas pesadas, e tratores, para remover o terreno.
— Permitiram que surgisse na Candelária um conjunto habitacional construído com dinheiro público federal! Constatamos que até ossadas humanas foram raspadas, e da pior forma possível. Removeram aquele solo sagrado e, em seguida, sem cerimônia, o utilizaram como entulho. Aterraram igarapés das redondezas. Para o "grupo de inteligência do IPHAN, aquele sítio histórico agora é "Cujubim". Mudou de nome? Diríamos: isso é muito doido.
O que fizeram e fazem com Porto Velho é crime de lesa-pátria. É crime contra nossa gente e contra diversas nacionalidades que contribuíram com a construção da mais isolada ferrovia do mundo.
Esse IPHAN e seu grupo de "inteligência" permanecem estáticos frente aos trilhos da Madeira-Mamoré, arrancados e substituídos pelas obras das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em área tombada pela União e pela Constituição do Estado de Rondônia, e ao longo da EFMM.
— O que dizer da conivência do instituto diante do alargamento e aterro da Avenida Farquhar, para dentro do pátio ferroviário. Destruíram aí a morfologia do terreno no entorno e dentro do pátio ferroviário; tiraram o vestígio daquele sítio onde nasceu a cidade de Porto Velho. Nesse injustificado desprezo para com o patrimônio, também, arrancaram árvores e a vegetação centenária da área do entorno na vila Ferroviária e na Candelária.
— Fizeram um enorme calçamento de bloquete de cimento e madeira. Surpreendentemente, a coloração política aparece de maneira ávida, implacável, usurpadora, com a colocação, também no piso do terreno, entre dois grandes armazéns metálicos, de uma enorme "estrela" de pedras em cores fortes (vermelha). O pátio toma partido, à revelia daqueles que ainda choram os seus mortos, cuja ossada nem mais existe!
— O vandalismo oficializado, permitiu ainda construções de quiosques comerciais, no entorno e na área tombada, que impedem a visibilidade e ambiência do local tombado. Da mesma maneira como o IPHAN agiu, quando autorizou a construção de um prédio de 15 andares, ao lado das "Três Caixas d’Água", tombadas como patrimônio nacional. Em nome do "progresso", essas obras podem ser levantadas a qualquer momento.
— Já o Museu Ferroviário passou ser destruído em 2007, para dar lugar a restaurantes “caprichosamente” instalados dentro dos armazéns ferroviários. É chute e cuspe na história, Sr. Ministro: num desses armazéns ocorreu o Seminário de Preservação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1980, promovido pelo próprio IPHAN ainda no regime militar.
— Onde foram parar os fechamentos de "zinco ferro", retirados das edificações ferroviárias reformadas (não-restauradas), e trocadas por alumínio? Muitas outras peças foram e estão sendo liquidadas, como na época ditadura.
— Como que, por encanto, um vagão foi parar em Brasília e serve de ateliê, numa mansão no Lago Sul.
Enfim, Sr. Ministro, discordamos da intervenção criminosa, em fragrante ilegalidade a partir de 2006, quando a obra foi embargada, ao se fazer cumprir a lei, por estar dando início à execução do Projeto Madeira-Mamoré, sem ter o parecer prévio, em desobediência ao Decreto Lei 25/37, em seus art. 17 (...As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas sem a prévia autorização do IPHAN); e art. 18 "...não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem colocar cartazes...".
Sem falar que esse projeto está em desacordo com a legislação brasileira para restaurações e intervenções em sítios históricos tombados como patrimônio cultural. O próprio IPHAN, em ação casuística, posteriormente dá outra autorização, o prosseguimento da intervenção na Madeira-Mamoré.
Como explicar esses injustificáveis crimes de lesa pátria? Sim, por que todos eles desrespeitam frontalmente o Decreto Lei 25/37, e as Portarias231/07 e 187/2010. Tudo foi denunciado ao Ministério Público em Rondônia, ao Ministério Público Federal e à 4ª Câmara, em Brasília.
No entanto, sucedeu-se a inércia. São tantas as atrocidades a lamentar, e vem agora a agressão pelo IPHAN, ao pesquisador americano, que dispensa favores, tampouco cobra sequer um centavo para oferecer seus préstimos na obra de resgate daquilo que ainda nos resta da Madeira-Mamoré.
Assim, Sr. Ministro, esperamos um posicionamento do Ministério da Cultura que, com certeza, não compactua com tantos crimes e tem a zelar não apenas pelo patrimônio amazônico e histórico de Rondônia, mas pelo nosso País, infelizmente muitas vezes vilipendiado por seus próprios órgãos públicos.
Atenciosamente,
Arquiteto Luiz Leite de Oliveira
Presidente da Associação de Preservação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia de Amigos da Madeira-Mamoré (AMMA)
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