Meu pai habita na terceira margem do rio - Por Simon O. dos Santos

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Há aproximadamente dois anos meu pai foi diagnosticado com Alzheimer. Desde então ele foi migrando paulatinamente   para a terceira margem do rio, onde agora habita sereno, em silêncio, alheio aos apelos e aos profundos mistério do existir. 
 
 Lhes pergunto caríssimos leitores e leitoras da Pérola do Mamoré e do Berço do Madeira, para qual plano viajou sua memória? De qual santuário ela nos espreita e nos vigia agora? 
 
Será para sempre um insondável mistério a nos interpelar?
 
Beradeiros e beradeiras! Seus comedores de massaco,  essa crônica não será um lamento ou  uma queixa, mas, o engrandecimento profundo dos ensinamentos do meu pai, e que nesse momento, sem pronunciar uma única palavra, parecer nos ensinar a sua última e grande lição.
 
Mesmo habitando na terceira margem do rio, seu silêncio é mais eloquente do que todas as palavras que pronunciou durante toda a sua vida.  Da janela de seus olhos sábios e cansados exalam a sabedoria e a luminosidade de sua grande e última lição: 
 
 Meus filhos! Tenham zelo e cuidado uns com os outros.  
 
Um zelo que ele cultivou a vida inteira, trabalhando incansavelmente, de sol a sol sem reclamar, sem enfado e sem maldizer a pouca colheita.
 
 No próximo ano será melhor! Profetizava meu pai, com a grandeza e a coragem dos homens semeadores de sonhos, esperanças e rompedores de fronteiras.
 
Sua travessia foi memorável e inspiradora, ainda criança deixou o aconchego de pai e mãe no Ceará e migrou com os irmãos mais velhos para a Colônia Agrícola do Iata, nos grotões da Amazônia, em busca da terra prometida. 
 
Na terra prometida meu pai plantou, colheu, caçou, pescou, jogou futebol, conheceu o grande amor de sua vida (a pedra preciosa Safira), embalou nove filhos, sorriu, brincou, dançou, festejou, rezou e construiu um templo sagrado onde emoldurou sua família. 
 
O poeta Bob Dylan perguntou certa vez: Quantas estradas um homem precisará percorrer até que possam chamá-lo de homem.?
 
Ah! Beradeiros e beradeiras, seus comedores de açaí, até chegar à terceira margem do rio, meu pai um legítimo arigó navegou mares, percorreu ferrovias e infindáveis caminhos, estradas, vielas, becos, varadores, ramais, rios e igarapés, até se constituir como homem cumpridor de seu destino.
 
Beradeiros e beradeiras, seus comedores de peixe assado na folha de bananeira, somos oito filhos, oito soldados da mesma patente com a missão sublime de resguardar em um relicário cravejado de safiras a memória ancestral de nosso pai. 
 
Creiam-me!  Sua memória implacável não é um mistério insondável a nos interpelar, ela vive e ressurge em cada um de nós. Somos agora depositários e semeadores de sua memória viva, enquanto ele habita silenciosamente em sua canoa na terceira margem do rio Madeira? Do rio Mamoré? Do rio Iata?
 
Caríssimos beradeiros e beradeiras dessas terras onde ainda ecoa o inesquecível apito do trem, se acaso se sentirem tocados pelo aconchego dessa crônica, leiam o belíssimo e comovente conto do genial Guimarães Rosa: A Terceira Margem do Rio. “Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação.” 
 
E vocês, beradeiros e beradeiras das margens do Mamoré e do Madeira, onde nascem a canarana, quantos caminhos já percorreram?
Atentem beradeiros e beradeiros, comedores de farinha d’água! “Caminhante, não existe caminho, o caminho se faz ao caminhar”
Meu pai se fez ao caminhar.....
 
Simon O. dos Santos - Cronista
Direito ao esquecimento

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