Quando a gente fala em Constituição, quase sempre pensa na ideia de que o Estado não pode exagerar, não pode prender demais, punir demais, invadir liberdades. Isso existe, é real, e se chama proibição de excesso.
Mas pouca gente sabe que existe o lado oposto da moeda: a proibição da proteção deficiente.
E o que isso quer dizer?
Quer dizer que o Estado não pode proteger de menos. Ele tem o dever de defender a sociedade, a democracia, as instituições, e não pode deixar esses valores desamparados.
Por exemplo: se uma lei nova facilita demais a vida de quem atacou a democracia, reduzindo penas ou flexibilizando regras que antes eram firmes, pode surgir um problema. Não porque alguém é “bonzinho” ou “malvado”, mas porque a Constituição obriga o Estado a proteger o regime democrático de maneira eficaz.
Se a proteção fica fraca demais, surge uma suspeita jurídica séria: o Estado estaria falhando na sua obrigação constitucional.
É isso que chamamos de proteção deficiente.
Não é opinião política minha, é um princípio jurídico reconhecido há anos no STF. Ele vale para proteger o meio ambiente, para combater violência doméstica, para defender minorias e, claro, para garantir que a democracia não seja destruída por dentro.
Então, quando se discute no Congresso Nacional se a nova lei da dosimetria vai ou não beneficiar pessoas envolvidas em ataques à ordem democrática, o debate não é só sobre “ser brando” ou “ser rígido”.
Vulnerabilidade
O debate real é: essa mudança deixa a sociedade mais vulnerável? Enfraquece a proteção da democracia? Afrouxa a resposta do Estado a crimes que colocam o país em risco?
Se a resposta for “sim”, aí existe, sim, um possível problema de inconstitucionalidade, porque a Constituição não aceita nem o excesso, nem a insuficiência. Ela pede equilíbrio, mas jamais tolera a omissão.
Isso é a proibição da proteção deficiente em palavras simples. E é por isso que o tema não é só jurídico: é profundamente político e institucional.
Mistério
Francamente, não sei se o Supremo Tribunal Federal terá disposição para debater isso, mas, se o fizer, a Lei da Dosimetria, nasce comum pé na inconstitucionalidade.
“Roberto Gutierrez é jornalista. Na comunicação desde outubro de 1976, passou por todas as mídias e há quase três décadas é editorialista e analista político.”