O que ocorre em Porto Velho tem relação direta com o processo do que os especialistas convencionaram chamar de ‘interiorização do crime’
Foto: Divulgação
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Crimes ocorridos nas últimas semanas em Porto Velho, associados à chamada ‘guerra de facções’, impressiona pelo aspecto visual das violências perpetradas. Algumas das vítimas foram alvejadas com mais de duas dezenas de tiros e, várias outras, sofreram atentados nas vias públicas em plena luz do dia.
Trazem o selo de barbárie, com toda certeza, mas não são uma inovação sob o ponto de vista dos órgãos de segurança pública. O uso da violência extremada, como ocorre no excesso de disparos, desfiguramentos, decapitações e esquartejamentos, assim como o abandono dos corpos em lugares de fácil localização em ruas, estradas e áreas urbanas representam uma técnica utilizada em muitos lugares do Brasil e do mundo onde há conflito civil deflagrado.
Na dinâmica das organizações criminosas, quando existem disputas sobre determinados territórios, tais formas da violência vem como espécie de exercício de poder ilegítimo para persuadir populações periféricas sob comando imposto pelo grupo do momento. Por outro lado, quando ocorre hegemonia criminosa, há, de maneira paradoxal, uma redução considerável destas práticas de domínio de territórios, pois chamar demasiadamente a atenção das instituições públicas e da mídia traz prejuízos à exploração de pontos de venda de drogas e outros crimes conexos.
A exposição pública de corpos nas favelas do Rio de Janeiro sempre incidiu com os piores momentos do conflito armado entre grupos rivais, principalmente quando as milícias se veem envolvidas. As decapitações nos presídios brasileiros na década de 2010 representa uma pintura macabra importada de outros países latino-americanos, a exemplo do México, onde a prática de chacinas e destruição de cadáveres é marca registrada. Assassinatos durante o dia, muitas vezes na frente de parentes, também é uma representação da hostilidade das lideranças de facções que se digladiam pelo controle de áreas de interesse.
O que ocorre em Porto Velho tem relação direta com o processo do que os especialistas convencionaram chamar de ‘interiorização do crime’, que nada mais é do que a migração de organizações criminosas das grandes cidades para as localidades menores, no intuito de capilarizarem a arrecadação de ativos oriundos do crime (tráfico de drogas, crimes ambientais, pesca ilegal, garimpos clandestinos, lavagem de capitais, exploração de redes de prostituição, tráfico de pessoas e assim por diante).
O ponto de colisão ocorre quando os interesses de um narco grupo esbarram no de outros, como se dá na Amazônia brasileira, onde a disputa pelas rotas de tráfico põe em lados opostos o PCC e o CV e demais aliados. A tensão beligerante, neste caso, estende-se até o limite da ruptura, mas costuma regredir sob ordens das lideranças no intuito de evitar ações mais impactantes do Estado que, geralmente, é muito cobrado nestes momentos por parte da população inocente que fica no fogo cruzado.
A pretensa ‘guerra contra o crime’ não é uma tarefa fácil, ao contrário, demonstra-se extremamente complexa, pois não se está diante da figura de um ‘inimigo’ definido. Embora, algumas autoridades públicas brasileira façam opção política de nominar pessoas, estamos diante de um conjunto de fatores que se combinam para a manutenção deste enquadramento que leva à falta de segurança.
O alerta está ligado e contextos recentes, a exemplo do que ocorre no Equador precisam entrar no radar de diagnósticos profundos de estratégia. Lá, a opção pela terceirização da segurança pública, aliado à baixa resolutividade do estado permitiu a entrada de facções plurinacionais, levando à escalada de conflitos na última semana.
A flexibilização de direitos humanos visando o encarceramento em massa, prisões sem ordens judiciais, buscas domiciliares genéricas e a utilização das forças armadas em ações de segurança civil, também podem se demonstrar bastante equivocadas, já que exemplos anteriores no México, Peru, Argentina e Brasil sofrem críticas quanto à sua eficácia.
Quebrar o ciclo de barbárie, em qualquer lugar, impõe trazer questões muito importantes que costumam passar ao largo da agenda política. A atenção para a educação de base, urbanização de periferias, iluminação pública, meios de transportes eficientes, direito de ir e vir, celeridade e efetividade de prestação jurisdicional, disponibilização de aparelhos públicos (saúde, delegacias, serviço social, previdência) de modo ininterrupto tendem a resultar em excelentes alternativas ao uso da força.
A ativação de aparato bélico pelo Estado tem sua utilidade em momentos pontuais, mas somente o desenvolvimento contundente de políticas públicas perenes pode reverter o presente quadro atual de barbárie, se não for assim, em pouco tempo teremos em Porto Velho corpos içados sob pontes ao estilo de Ciudad Juarez, representando fronteiras que já não existem, pois nos acostumaríamos à selvageria. “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim” (James R. Sherman, Rejection, 1982).
Ednaldo Rodrigues é Policial Federal
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