Mesmo acompanhando dezenas de casos de pessoas que desaparecem em Rondônia, todos os dias, segue a sensação de que falta esforço para ‘desenterrar’ estas histórias e colocá-las na mesa de prioridades das políticas públicas
Foto: Divulgação
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‘SOFRIMENTO... LAMENTÁVEL... ANGÚSTIA... BRUTALIDADE... PREOCUPAÇÃO’ costumam ser os principais termos nas chamadas das reportagens que tratam de pessoas desaparecidas em Rondônia. No início do presente ano, este canal de comunicação (re)lembrou vários episódios de desaparecimentos que fazem parte da nossa história recente, alguns encerrados com encontros, enquanto outros permanecem obscuros e sem sentido.
O papel da mídia neste cenário constitui um importante instrumento de ação quando bem executado, extremamente útil ao proporcionar rapidez na transmissão de informações sobre os casos e na mobilização aguda das coletividades em torno dos fatos noticiados. Por outro lado, o maior desafio não é a notícia em si, mas o enfrentamento ao silêncio perturbador que existe arredor de muitas das ocorrências ilustradas ao longo dos últimos anos.
Descrever a silhueta do termo desaparecido é deveras difícil, pois não existe uma categoria apropriada que preencha o seu real significado: foram sequestrados? Foram maltratados? Foram mortos? Estão presos em algum lugar contra sua vontade? Nenhum destes conceitos é suficiente para abarcar as dimensões do que ocorre nas vidas de quem desaparece e de suas famílias.
A experiência de quem passou por tais episódios indica que com o passar do tempo, outras ideias são associadas como quebra, fratura, vazio, invisibilidade, inexistência, ausência, ou seja, a imagem comum da negação: como delito, é a negação de provas, de identidade, de corpo, de fato, do destino; como pessoa, sua identidade é de um sujeito negado, um indivíduo recortado, um corpo separado do nome, um nome isolado de sua história.
Tudo leva à clandestinidade e representa em seu ponto máximo uma prática social peculiar de exclusão que condena populações inteiras ao martírio de fazerem parte de uma geração de eliminados, ocultados, apagados e desaparecidos.
Da Vala de Perus à uma infinidade de ‘covas rasas’ vê-se dezenas de milhares de histórias interrompidas de brasileiros, muitos destes jovens, cujas linhas de existência mal se iniciaram. Pior, persiste a dúvida deletéria sobre o destino de quem ainda não se encontrou, que motiva uma espécie de luto infinito e que corrói, pouco a pouco, a saúde, a sanidade, o espírito e a esperança de quem ficou, em especial daqueles que detém o sentimento materno-fraternal.
Mesmo acompanhando dezenas de casos de pessoas que desaparecem em Rondônia, todos os dias, segue a sensação de que falta esforço para ‘desenterrar’ estas histórias e colocá-las na mesa de prioridades das políticas públicas. A negação não é uma mera ficção, ela é real e condiciona o exercício da cidadania, das obrigações e deveres dos poderes instituídos e da construção de um sentimento de empatia coletiva que indica a existência de um povo.
Negar é muito mais do que não dizer, é invisibilizar a existência de um fato ao desconstruir publicamente sua denúncia e sufocar a sua credibilidade, traduzindo-o como um evento de menor importância para a sociedade.
Assim, conceber desaparecimento de pessoas, mormente de crianças e adolescentes, como situação atípica que não gera interesse do Estado, da política, dos poderes públicos, da polícia - erroneamente classificada como problemas de família - é uma falha sem precedentes para a nação.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023) indica que no período entre 2019 e 2021 ocorreram mais de 200 mil registros policiais de desaparecimentos de pessoas, uma média de 183 desaparecimentos por dia. Quase 30% destes casos são de adolescentes de 12 a 17 anos, que reeditam vários matizes do mesmo destino.
Em Rondônia foram mais de 2.300 casos de pessoas desaparecidas no mesmo período. São Andressas, Afonsos, Kamilys, Thaylos, Franciscos, Tauanes, Felipes, Luanas, Andrés, Natalys... que se unem às estatísticas e, mesmo por meio de vozes interrompidas, nos cobram todos os dias para romper o silêncio e perguntar que tipo de País queremos ser?
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