Pensador que colheu base da obra em Pimenta Bueno faz 100 anos e é lembrado na Unir
1 – LÉVI-STRAUSS 100
“Foi por acaso que Lévi-Strauss veio ao Brasil”, assegura a doutora Beatriz Perrone-Moisés, professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado no suplemento “Mais!” da edição deste domingo (23) do jornal “Folha de S. Paulo”, de que se servirá a coluna para completar as informações do evento que mais uma vez aqui se anuncia.
Diz respeito, leitor, à iniciativa do Departamento de Sociologia e Filosofia da Universidade Federal de Rondônia (Unir), no sentido de promover, nesta quinta-feira (27), a partir das 15h30, no auditório das instalações centrais da instituição (Unir-Centro), um debate amparado por uma mesa redonda e a exibição de um filme (documentário) para marcar, aqui, a passagem dos 100 anos de um dos maiores pensadores do Século XX – Claude Lévi-Strauss, considerado pai do estruturalismo. Embora o sabendo bastante debilitado, os franceses já se darão por exultantes ao festejar seu centenário com ele em vida, nesta sexta-feira (28).
Vão longe, pois, os idos de 1934 quando, depois de estudar direito e filosofia, Lévi-Strauss considerou que já tinha descoberto a vocação para a etnologia. Tudo levava o jovem para fora do Velho Mundo, mas nada o trazia obrigatoriamente ao Brasil. Sua iniciação como etnólogo poderia ter sido realizada em outro lugar: "Se me tivessem proposto a Nova Caledônia (na Oceania) ou a África, eu teria aceitado", diria ele mais tarde. Mas foi aqui que ocorreu.
Aqui, especialmente em Rondônia, que ainda não tinha essa identidade em 1938, ano em que Lévi-Strauss liderou a expedição à Serra do Norte (MT). Mas Pimenta Bueno já era uma localidade conhecida com esse nome (batizada assim por Rondon enquanto posto telegráfico) e foi lá que a expedição montou acampamento. Parte da viagem do antropólogo por Rondônia, sua passagem por Porto Velho e Guajará Mirim, está relatada no livro “Retratos Brasileiros dos Tristes Trópicos”, do etnólogo brasileiro Castro Farias, que acompanhou a expedição.
2 – TRISTES TRÓPICOS
"Minha carreira foi decidida num domingo do outono de 1934, às 9h, num telefonema", conta ele em "Tristes Trópicos", o livro que o tornou conhecido do grande público como escritor. Livro inclassificável, espécie de microcosmo de toda a obra. O tal telefonema era um convite para vir dar aulas na recém-fundada Universidade de São Paulo, onde poderia, disseram-lhe, fazer pesquisa com os índios nos arrabaldes da cidade.
Os índios estavam bem mais longe, mas o trabalho de campo entre eles, indispensável para obter suas "credenciais de etnólogo", seria realizado aqui, especialmente em terras que hoje se conhece por Rondônia – insiste-se a guisa de habilitar o pedaço como parte afetiva legítima destas comemorações. Enfim, Lévi-Strauss descreve o Brasil, sobretudo em "Tristes Trópicos" (mas também na introdução a "Saudades do Brasil", de 1994), com cheiro, ruído, tato, paladar, audição e visão, operando constantemente com códigos sensoriais, como que prefigurando o que de mais significativo marcará sua obra.
Também descreve a natureza, homenageando paisagens como a do litoral entre Santos e o Rio de Janeiro, a que chama de "trópicos de sonho". Ou Goiás Velho, um conjunto de "fachadas degradadas" tomadas por cipós, bananeiras e palmeiras. E Goiânia, "uma planície interminável, misto de terreno baldio e campo de batalha, espetado com postes elétricos e estacas de medição". A São Paulo da década de 1930 lhe parecia ser um exemplo típico das cidades americanas, de ciclo curto, sempre a "meio caminho entre o canteiro de obras e a ruína".
Esse Brasil não tem, contudo, lugar de destaque em seu pensamento. Ocupa, em sua obra, um lugar comparável ao do Sudeste Asiático, da América do Norte ou até da própria Europa. Pertence a um conjunto de lugares que fazem parte da trajetória de Lévi-Strauss, que ele compara e conecta uns aos outros, no que ele mesmo chama de seu "traveling mental". Os "trópicos desocupados" no Brasil se opõem aos "trópicos superpovoados" na Índia.
3 – UMA “INDIANIZAÇÃO”
É outro o Brasil que marca a vida e a obra de Lévi-Strauss. O Brasil que faz dele um americanista e inflete sua produção intelectual é aquele em que vivem nambiquaras, bororos, cadiuéus, tupi-cavaíbas, tupi-mondés... o Brasil centrado em Pimenta Bueno. O que foi decidido naquele imprevisível telefonema levaria Lévi-Strauss a ser um americanista com uma entrada "brasileira", ou um europeu que encontra a América no Brasil e este em Rondônia.
A trajetória de Lévi-Strauss poderia ter começado em qualquer lugar, contanto que fosse na América. Pois os ameríndios não são meros objetos de sua reflexão, são co-autores de seu pensamento. O encontro entre Lévi-Strauss e o Novo Mundo é tão importante que especialistas têm apontado uma "indianização" de seu imaginário científico e uma inflexão ameríndia em sua teoria do social, tributária de Marcel Mauss tanto quanto dos nambiquaras ou dos bororos.
"Tinha ido para o Brasil porque queria me tornar etnólogo", disse ele certa vez. Lévi-Strauss tornou-se etnólogo entre os brasis -como chamavam aos índios ainda os românticos- e aprofundou sua iniciação mergulhando na leitura de obras dedicadas aos ameríndios. Tendo inaugurado um diálogo capaz de pôr nossa cultura no caminho de um novo pensamento, como notou Pierre Clastres, o pensamento de Lévi-Strauss, que é também pensamento ameríndio, não cessa de indicar novos caminhos, gerando novas perguntas e outras idéias.
Nesta quinta-feira, na Unir-Centro, os debates serão abertos em uma mesa redonda onde estarão os doutores Edinaldo Bezerra (História), Arneide Cemin (Ciências Sociais) e Wany Sampaio (Línguas Vernáculas). À noite, a conversa vai girar em torno de um filme. A organização anda à cata da obra de Jorge Bodanzky, “Tristes Trópicos”. Caso contrário, exibirá “Saudades do Brasil”, da documentarista Maria Maia, que inclui 40 minutos de entrevista com Lévi-Strauss, às vésperas de completar 98 anos, em Paris, num depoimento que funciona como fio condutor de toda a obra.