Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – FLOR APAVORADA Reina ansiedade, tensão e medo entre as famílias de camponeses sem terra do acampamento Flor do Amazonas, na Fazenda Urupá, em Candeias do Jamari. Sobram-lhes razões para tantos sobressaltos. Eis que, na semana que passou, elas foram surpreendidas com uma notificação de reintegração de posse a favor de um magote de “proprietários” - atualmente correm na justiça rondoniense nove ações de reintegração de posse de lotes na região da Fazenda -, acrescentando-se que a ação ocorreria na quinta-feira (24), o que deixou o acampamento em polvorosa. Lá, há cinco anos, 257 famílias vêm resistindo à ausência e a omissão do poder público federal e das autoridades do Estado, sofrendo ameaças, intimidações e perseguições por parte dos grandes proprietários - que obviamente condenam e criminalizam a justa luta pela terra. Ainda assim, os trabalhadores resistem e produzem seus alimentos, dando vida à terra assolada e morta antes deles aí chegarem. Convém informar que, desde 2001, as terras da fazenda foram indicadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário como área disponível para fins de reforma agrária. Ao circular a notícia no acampamento, os trabalhadores rurais começaram a preparar “trincheiras” e, segundo uma das acampadas, Maysa Albuquerque, declarou na quarta-feira (23), “todos com a consciência de resistência”. Os integrantes do Comitê Popular de Luta em Defesa do Socialismo, entidade que atua na área assistindo os acampados, reclamaram junto ao Incra local e a procuradoria em Porto Velho protocolou, ainda na quarta-feira, junto à 3ª Vara Cível da capital, ação de Suspensão de Reintegração de Posse, alegando que a área está em litígio. Não obstante a justiça não se ter pronunciado até sexta-feira (25), sabe-se que a ação de que deu conta a notificação não ocorreu e não foi por causa do feriado porto-velhense. Na Polícia Militar de Rondônia, a comandante da corporação, coronel Angelina Ramires, informou que nenhuma ação de reintegração chegou a ser agendada. 2 – POR ANALOGIA Seja como for, nada mudou em termos de ansiedade, tensão e medo entre as apavoradas famílias do acampamento Flor do Amazonas. Nem poderia ser diferente, dado à disposição à resistência que se instalou entre elas e o histórico de tragédias que o país registra em conflitos dessa natureza. Por falar nisso, na hipótese nada improvável de que entre estas famílias exista alguém proveniente do Cariri cearense, é enorme a probabilidade de que seja descendente de sobreviventes de um desses macabros dramas agrários – o de Caldeirão da Santa Cruz do Deserto - que coincidentemente neste mês de maio está completando exatos 70 anos. Pelo pouco que o episódio é conhecido e pelo muito que ele tem a ensinar, vale a pena lembrá-lo. Trata-se da história de um arraial localizado no município de Crato (CE), que no ano do seu aniquilamento chegou a reunir mais de 2.000 pessoas sob a liderança do beato José Lourenço, um fiel seguidor do padre Cícero Romão Batista. Assim como Canudos, Caldeirão foi marcado pelo catolicismo popular e a produção rural coletiva. Fundado em 1926, o povoado cresceu rapidamente, incomodando a cúpula da Igreja Católica e as oligarquias da região, que passaram a exigir o fim do que chamavam de “antro de fanáticos e comunistas”. A gênese da experiência desenvolvida no Caldeirão, aliás, coincidiu com o apocalipse de Canudos, em 1897. Naquele ano, o padre Cícero destacou José Lourenço para cuidar de uma fazenda em que acolhera centenas de flagelados, de propriedade de certo João Brito, amigo do clérigo. Negro, forte e com grande disposição para o trabalho, Lourenço ganhara a confiança do padre Cícero pelas suas demonstrações de fé. Paraibano de Cacimba de Dentro, Lourenço chegara a Juazeiro em 1890, atraído pelo prestígio místico de padre Cícero e também porque considerava a cidade o melhor local para desenvolver práticas de penitência. Sob a liderança de Lourenço, o sítio passou a ser um celeiro de produção. Alternando sessões diárias de reza com jornadas de trabalho em regime de mutirão, os fiéis transformaram o lugar, diversificando a produção - o que destoava da monocultura da cana-de-açúcar predominante na região. Atraídos pela fama do lugar, sertanejos que viviam em regime de semi-escravidão nas grandes fazendas abandonavam-nas para se juntar a Lourenço. A reação dos fazendeiros não tardou. Em 1922, mandaram dispersar os fiéis, prender Lourenço e, para justificar a violência, divulgar que o beato adotava um animal como objeto de culto. O animal em questão era um boi, chamado de "Mansinho", que havia sido doado ao padre Cícero por Delmiro Gouveia – o lendário e idealizado mártir do empresariado nacionalista. Pois bem. Lourenço era acusado de atribuir milagres à urina e às fezes do boi. Preso, o beato foi obrigado a comer da carne de “Mansinho”. A humilhação e os sofrimentos da prisão criaram uma mística ainda maior em torno de Lourenço, que viu crescer seu carisma de beato junto ao religioso povo da região. 3 – BOMBAS A GRANEL Quando saiu da cadeia, Lourenço ainda conseguiu retornar para a tal fazenda, mas, em 1926, foi obrigado a deixar local, pois o proprietário pediu as terras de volta. No mesmo ano, padre Cícero encaminhou Lourenço e seus seguidores ao sítio Caldeirão. Distante 20 km de Crato, Caldeirão estava encravado na região mais árida da serra do Araripe, numa área de 900 hectares. Neste sítio, Lourenço fundou a irmandade de Santa Cruz do Deserto, uma seita de penitentes que via no trabalho uma forma de salvar a alma. Com o lema "Trabalhar e Rezar'', Lourenço organizou Caldeirão baseando-se em uma lógica coletivista, distribuindo a produção de acordo com as necessidades de cada fiel. A experiência transformou a paisagem do lugar, que em pouco tempo passou a abastecer Crato e Juazeiro com produtos agrícolas. Na grande seca de 1932, quando cerca de 40 mil pessoas se refugiaram num campo de concentração de flagelados armado pelo governo federal em Crato, a fartura do Caldeirão se tornou um referencial e o prestígio de Lourenço aumentou desmesuradamente. No entanto, a morte do padre Cícero, em 1934, serviu para detonar a ira dos proprietários rurais contra Caldeirão. Outra vez os latifundiários viam contingentes da sua mão-de-obra escoando para Caldeirão. Organizada em moldes socialistas, a comunidade havia atraído contra si o ódio de todas as forças conservadoras do Nordeste. Era considerada perigosa pelos grandes proprietários de terra e pelo clero do Cariri. Deixava os fazendeiros sem a mão-de-obra barata e podia significar, na visão dos poderosos, um embrião do comunismo. Em artigos de jornais e sermões, pregavam que Caldeirão era uma reedição de Canudos, com Lourenço no papel de Conselheiro e os monarquistas substituídos por comunistas. No dia 9 de setembro de 1936, um batalhão liderado pelo chefe da Segurança Pública do Ceará, Cordeiro de Farias Neto, chegou a Caldeirão com a missão de destruí-lo. Lourenço fugiu antes da chegada dos "macacos" (policiais). Seguindo a orientação pacifista de Lourenço, os fiéis não resistiram. Mesmo assim, a polícia pôs fogo nas cerca de 400 casas do arraial, confiscou todos os bens da coletividade e expulsou os fiéis, que se refugiaram nas cercanias do povoado e ficaram por lá. No ano seguinte, os fiéis dividiram-se em duas facções. A liderada por Lourenço defendia a volta negociada a Caldeirão e recorreu à Justiça para exigir do governo cearense uma indenização pelas benfeitorias destruídas. O outro grupo, liderado por Severino Tavares, pregava a formação de um braço armado para Caldeirão e a retomada do sítio pela força. Em maio de 1937, os seguidores de Tavares mataram o capitão da Polícia Militar José Bezerra e quatro policiais num conflito. A vingança da morte de Bezerra ganhou o aval do então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, que enviou um batalhão de 200 homens e três aviões com a missão de destruir o que sobrou de Caldeirão. Diz-se que Dutra agiu inspirado na destruição de Guernica, o povoado basco utilizado pela aviação alemã para testar seu poder de fogo, com a aquiescência de Franco, havia apenas um mês (abril de 1937), em meio à guerra civil espanhola. O certo é que o bombardeio de Caldeirão ficou registrado como a primeira e a mais sangrenta ação da Aeronáutica contra populações civis no país. O saldo foi de 200 mortos, na versão oficial, mas o próprio comandante da operação teria admitido depois que morreram 700 pessoas. Lourenço, porém, conseguiu mais uma vez escapar e refugiou-se no sítio União, em Exu (PE), aonde viria a morrer de peste bubônica, no dia 12 de fevereiro de 1946. O seu corpo foi enterrado ao lado do túmulo do Padre Cícero, em Juazeiro, depois e ter sido conduzido por uma multidão pela serra do Araripe, percorrendo a pé os cerca de 80 quilômetros que separam as duas cidades. O enterro de Lourenço aconteceu à revelia da Igreja, que se recusou a oficiar o ritual de passagem. Atualmente, o túmulo de Lourenço é um dos mais freqüentados pelos romeiros fieis do padre Cícero que visitam Juazeiro. Na época do Caldeirão, o Brasil vivia o Estado Novo. Simpatizante do fascismo de Franco e do nazismo de Hitler, Getúlio Vargas era o ditador. A comunidade do Caldeirão não poderia continuar. A Igreja que, no passado se juntou às oligarquias do Cariri na destruição do Caldeirão, em nome da ordem secular e da disciplina eclesial, hoje define o trabalho do beato como uma reforma agrária de inspiração religiosa e iniciativa popular. E assim caminha a humanidade
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