Às dez horas, conforme determinação da Ceron, o técnico de plantão desligava a chave do gerador de energia e o breu tomava conta da vila. O alarido dos cães deixava a noite mais assustadora ainda e os poucos moradores retardatários que perambulavam pelas ruas tomavam apressados a direção de suas residências.
Pouco tempo depois, até os cães se recolhiam em silêncio e a escuridão penetrava solene e altiva pelas cumeeiras das casas, alcançando as pálpebras insones dos moradores, iluminadas pelas reduzidas chamas das lamparinas que tingiam de fuligem e cheiro de querosene o telhado das moradias.
Tudo na casa lembrava um pouco o cheiro das lamparinas. As pessoas cheiravam a querosene, as roupas, os utensílios domésticos e até os animais exalavam o odor inconfundível dessas luminárias portáteis.
Sobre a mesa do jantar, duas lamparinas cor de bronze com seus pavios de algodão eram colocadas em pontos equidistantes de maneira a iluminar a comida, às vezes, sobras do almoço, temperada com afeto materno e impregnada por um leve aroma de querosene, deixando-a mais saborosa ainda.
Após o jantar, nossa mãe empunhava a lamparina com a melhor chama, um pouco acima de sua cabeça e fazia a última ronda pelo quintal antes de se recolher. Depois passava em revista os quartos dos filhos, as salas, a cozinha cuidadosamente arrumada e verificava se todas as portas e janelas da casa estavam bem fechadas.
Paulatinamente, as lamparinas iam sendo apagadas, restando apenas a de minha mãe em seu quarto como um farol a nos iluminar e a nos bendizer. Até hoje ouço o suave sopro de minha mãe apagando a lamparina antes de se deitar na cama, e sinto o cheiro da fuligem nos cobrindo como um bálsamo a nos acalentar o sono.
Quando os técnicos decidiram instalar energia elétrica vinte e quatro horas na vila, as lamparinas caíram em desuso, tornaram-se obsoletas, antiquadas, utensílios poluentes e sem utilidade prática. Hoje, as lamparinas são apenas objetos de decoração em ambientes sofisticados, mas continuam presentes na minha memória, assim como o suave sopro de minha mãe apagando a chama antes de se deitar.
Simon O. dos Santos - Escritor