Construção do Real Forte Príncipe da Beira e Luiz de Albuquerque

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Há 247 anos (20-06-1776), era lançada a pedra fundamental da fortaleza Príncipe da Beira. Essa pedra fica sobre a porta principal da entrada. Vale lembrar que essa cerimônia se deu um ano após o início da construção da fortaleza (19-04-1775). Os portugueses escolheram o local e ali se instalaram conforme imagem abaixo. 
 
 
O projeto foi se concretizando ainda no transcurso da viagem feita por Luiz de Albuquerque para a Capitania de Mato Grosso, que em busca de um local estratégico, queria que a fortificação a ser construída atendesse aos imperativos militares e políticos de Portugal.  
 
 
Diante da fronteira da Capitania de Mato Grosso com a Espanha, a possibilidade da construção dessa fortaleza, estava relatada na ata de fundação do Real Forte Príncipe da Beira, assinada pelo governador e Capitão General da Capitania de Mato Grosso Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, assinada em 20 de junho de 1776 ·, que segundo Gilberto Freyre menciona: 
 
 
[...] Luiz de Albuquerque chegava a Vila Bela preocupado com os problemas de engenharia da capitania que vinha governar e com a educação dos seus moradores mais agrestemente tropicais: com a sua educação religiosa (...) chegava à América tropical confiando em Deus e no seu próprio vigor físico, já aprovado em aspereza de guerra de portugueses com espanhóis: os mesmos espanhóis que Luiz viria a encontrar no Brasil como vizinhos, por vezes belicosos, de um domínio português. (FREYRE, 1978, p. 154) 
 
 
Segundo Bento (2003), para impedir a circulação entre a Amazônia e as minas de Cuiabá e que estrangeiros atingissem estas minas no século XVIII, foi levantada a linha de ação de bem fortificar a entrada do Amazonas (BENTO, 2003, p.108). Para obter controle e garantir seu território, Portugal põe em prática o plano de vigilância e defesa fronteira oeste.  
 
 
Ao efetuar sua primeira viagem de inspeção ao longo do rio Guaporé em 1773, Luiz de Albuquerque, segundo Pontes Pinto (1989), informa que: 
 
 
Acompanhado do Engenheiro Salvador Franco da Mata, D. Luiz de Albuquerque passa a ter ciência da realidade daquela região, observa a sua natureza e procura avaliar como, em função dela poderá ser o procedimento humano (PINTO, 1989, p.39).  
 
 
Na oportunidade sugere a construção do forte em um terreno mais elevado, seguro e livre das enchentes do rio Guaporé e próximo tanto quanto possível de outras fortificações.  
 
 
Na segunda viagem que Luiz de Albuquerque fez ao Guaporé em 1774 segundo Pontes Pinto (1989), realizou um percurso maior, navegou pelo rio Mamoré até atingir a confluência do rio Beni e por lá ficou alguns dias observando a posição geográfica do local, analisando estratégias para prevenir-se dos possíveis ataques dos espanhóis (PINTO, 1989, p.40). No local, encontrou-se com Domingo Sambucete  e Alexandre José de Souza, ambos os engenheiros vindos do Grão-Pará para ajudá-lo no planejamento e construção das fortificações da Capitania de Mato Grosso. 
 
 
Findando o ano de 1775, Luiz de Albuquerque fez o reconhecimento do local com senso crítico a Domingo Sambucete. Com experiências acumuladas em construção de fortalezas, o engenheiro projetou a fortificação da Praça Almeida, célebre baluarte da defesa da Beira Alta em Portugal, iniciando os trabalhos da construção do Real Forte em tempo certo, ainda que lhe faltasse à bênção de sua majestade real.  
 
 
O engenheiro ao ser designado para efetuar o projeto de construção do Forte Príncipe da Beira, de acordo com a carta enviada de Domingo Sambucete ao governador Capitão General da capitania de Mato Grosso Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, em 14 de janeiro de 1776, recebendo algumas instruções quanto ao procedimento a serem seguidas durante a execução da obra, essas instruções era de natureza militar e controle da mão de obra a ser empregada na construção da fortaleza, recebeu alguns auxiliares e ajudantes para executar as tarefas diárias . 
 
 
Pontes Pinto (1989) não confirma que as bases da construção do Forte Príncipe da Beira sejam as mesmas aplicadas ao plano do Forte de Macapá, subscrito por Henrique Gallucio, embora não tenha condições de confirmar tal hipótese (PINTO, 1989 p.41), de uma semelhança visível, o Real Forte Príncipe da beira parece imitar o modelo do forte de Macapá. 
 
 
Neste sentido, a arquitetura militar adotada pela coroa vai se expandindo em todo território português, e seu modelo passa a ser copiado por outros fortes, como é o caso de São José de Macapá  que serviu de inspiração para o modelo do Real Forte Príncipe da Beira, como mostra as imagens abaixo. 
 
 
A inclusão desses fortes na colônia portuguesa teve seu início no governo de D. João III, na primeira metade do século XVI que segundo Fontana (2005), época em que os textos clássicos de Palladio, Vitruvio Sagredo foram traduzidos para o português, que, sob o influxo do Renascimento, começa a prevalecer o novo conceito urbanístico de cidade ideal, com praça central dentro de um polígono fortificado, regular de formas retilíneas e com baluartes (FONTANA, 2005, p.26). Havendo uma alteração quanto ao material empregado em sua construção, sua posição estratégica e sua extensão, para demonstrar aos espanhóis a força portuguesa no oeste da Capitania de Mato Grosso.  
 
 
Suas muralhas tinham como objetivo evitar a invasão do inimigo, sendo composto por camadas expressivas de pedras e cal, com uma altura julgada suficiente para evitar o saque por inimigos. Para Fontana (2005), Portugal absorveu os novos conceitos arquitetônicos, segundo os mestres italianos que afirmava que essa simetria e a geometria retilínea dos desenhos das cidades, ou seja, com linhas perpendiculares (FONTANA, 2005, p. 26). Essa inclinação oferecia dificuldades para a sua escalada, assim como uma abertura para a passagem do canhão seguido por um corredor que interligava os baluartes. 
 
 
Para Cruxen (2011), as muralhas são elementos que define, sendo símbolo representativo do modo de vida de uma sociedade, com importância na medida em que estão possuídas de um simbolismo que delimita e define o espaço (CRUXEN, 2011, p.7).
 
 
 
Seus baluartes ou guaritas, segundo Ricardo Fontana, eram as formas mais avançadas de defesa e protegia os lados do polígono e se dispunha simetricamente aos lados (FONTANA, 2005, p. 31), conforme figuras abaixo exerciam um papel de vigilância constante, permitindo o cruzamento de fogos e o flanqueamento das posições possibilitando a defesa contra os ataques inimigos de cada ângulo do elemento, servindo às permanências uma proteção contra o tempo. Dali se podia ter uma visão de 180º de ângulo de tudo que tinha em sua frente. Essa simetria de fortalezas segundo Ricardo Fontana, foi introduzida em Portugal por técnicos que viajavam para a Itália como Miguel Arruda, João Castilho, Francisco de Holanda (FONTANA, 2005, p. 35), que faziam suas adaptações conforme as necessidades de cada território a ser conquistado pela coroa portuguesa. 
 
 
No interior das fortalezas, conforme figuras abaixo notamos uma comparação quanto às necessidades de combates, com corredores livres, dando passagem aos seus combatentes, que para Cruxen (2011), seu interior sendo um espaço fechado e seguro onde reside o poder e a administração da justiça (CRUXEN 2011 p. 8). O Real forte Príncipe da Beira herdou sua semelhança em estrutura onde seus canhões são depositados e organizados em linha de fogo, cada um voltado para seu alvo anglo alcance, com um parapeito que dava proteção ao combatente. 
 
 
 
 
Tomado como um ponto de estratégia, a fortaleza  Real Príncipe da Beira foi erguida no rio Guaporé, onde havia um canal que dava passagem a uma embarcação por vez. Os navegantes tinham que tomar cuidado quanto à correnteza daquele rio que de tão intensas lançavam as embarcações sobre as pedras, e durante a seca, o mesmo cuidado era dobrado devido à presença de rochas que ficavam visíveis ao redor da passagem demandando prudência do navegante. 
 
 
Essa demora na passagem pelo rio acontecia no período de seca do Guaporé, fazendo com que os portugueses percebessem a presença do inimigo e, impedindo sua viagem. 
 
 
 
 
Mediante experiência feita in loco em companhia do Exército brasileiro, medimos com precisão, com o auxílio de um aparelho de GPS a distância de uma das passagens estreitas do rio Guaporé a partir do baluarte de Santa Bárbara. Com 537 metros de distância do canal ao baluarte, Manoel Rodrigues Ferreira afirma que: 
 
 
Os canhões do forte dificilmente poderiam atingir todas as embarcações, justamente por isso que foi escolhido este ponto do rio onde há uma pequena cachoeira, sendo todas as embarcações obrigadas a passar através de um estreito canal, sendo um único ponto do rio Guaporé onde há um canal obrigatório para a passagem das embarcações. (FERREIRA, 1961, p. 225) 
 
 
Muito embora o local escolhido por Luiz de Albuquerque para a construção do Forte fosse possível dentro daquela conjuntura, críticas não faltaram ao seu empreendimento como as de João Severiano da Fonseca  e Manuel Rodrigues Ferreira  no século XIX que se divergem quanto à estratégia do local escolhido pelo governador da capitania de Mato Grosso. 
 
 
O General João Severiano da Fonseca ao examinar o Forte durante sua expedição “Ao redor do Brasil” de 1875 a 1878 disparou críticas quanto à definição do local escolhido por Luís de Albuquerque para a construção do Real Forte e declarou que: 
 
 
[...] Os terrenos fronteiriços são almargeais e brejões, impossíveis de serem habitados e transitados e, o leito do rio com sua dificuldade deixa uma canoa, como a que montamos vencer-lhe as pedras e corredeiras; e quando, enfim, não poderia esperar agressões nenhuma pela direita, terrenos brasileiros, encravados na mesma rede de vastos pantanais... Que D. Rolim de Moura fundasse o Fortim da Conceição compreende-se bem, era para defender a posição tomada dos castelhanos e firmar os direitos de posse da Coroa portuguesa; e também se compreende que mais tarde buscasse essa colina para o posto militar, visto aquele Fortim ficar sob as águas nas grandes enchentes do rio. Mas para tais fins, e para servir de guarda ao rio e defesa da navegação, um simples reduto bastava, naquele tempo que a artilharia ainda estava nas faixas da infância. O que não se compreende são os motivos que induziram Luiz de Albuquerque a erguer esta formidável fortificação num local, onde, quando mesmo sua existência não fosse completamente numa pela posição nada convinhável, seria desnecessária pela natureza do seu capo de ação”. (FONSECA. 1986. p. 217)  
 
 
As observações do engenheiro Manuel Rodrigues Ferreira que esteve no Forte no século XIX, com experiência em construções e autor de diversas obras, entre elas Nas Selvas Amazônicas, contraria a opinião do General Severiano ao afirmar que a situação estratégica do Forte foi relevante para a coroa portuguesa e menciona que: 
 
 
Por ter sido construído acima da confluência dos rios Mamoré e Guaporé, pois qualquer invasão por parte dos espanhóis só poderia efetuar-se descendo os rios Mamoré, Beni o Madre de Dios e subindo depois o rio Guaporé. Uma expedição fluvial, por outros lugares, espalhar-se-ia pela largura do rio e os canhões do Forte dificilmente poderiam atingir todas as embarcações, mas, nesse ponto do rio, onde há uma cachoeira, as embarcações são obrigadas a passar através de estreito canal. O alvo dos canhões do Forte seria aquele canal onde as embarcações teriam de passar uma após outra... Este é o único ponto do rio Guaporé onde há um canal obrigatório para passagem de embarcações. Por outro lado, na margem ocidental, numa extensão de milhares de quilômetros quadrados, há muito lagos, lagoas e terrenos alagadiços, formados pelos rios Baures, Intonamos e Mamoré, sendo impossível tentar-se uma invasão pela margem em frente ao Forte, e, pela retaguarda, devido à grandeza de seu poder, resistiriam por tempo prolongado qualquer cerco, dando tempo suficiente para receber reforço. (FERREIRA, 1961, p. 225). 
 
 
Já para Gilberto Freyre, a engenharia que foi adotada por Luiz de Albuquerque para a construção de Vila Bela, se prestava à crítica de Pombal, de que:       
Fizera à sua ciência a de desgarrar-se das possibilidades econômicas, dentro das quais o administrador sensato deveria traçar seus planos. O fidalgo da Ínsua sonhara edificar uma capital, para sua capitania, que fosse ao plano civil, o que o Forte da Beira, por ele construído, ficou, na realidade, no plano militar. Faltaram-lhe, por tanto recurso. A Vila Bela que conseguiu levantar foi pouco mais que projeto arrojado, tecnicamente admirável, de grandiosa cidade moderna no meio da selva tropical. (FREYRE, 1978, p.175) 
 
 
Assim, com o surgimento em 1775 do Forte de Coimbra, de acordo com José Maria Nunes, portal de acesso ao sul, delimitaria no futuro, em associação com a monumental fortificação do Príncipe da Beira de 1776 (NUNES, 1985 p. 150), essa linha básica de defesa da fronteira ocidental, será fixada pelos portugueses no século XVIII. 
 
 
Ainda segundo José Maria Nunes, a necessidade política decorrida da execução das fortalezas expressava o interesse da Coroa portuguesa em intensificar o
comércio e a navegação (NUNES, 1985 p.150), dessa maneira na Capitania do Grão-Pará e de Mato Grosso surgem os fortes que irão garantir o controle da fronteira impondo seu respeito e dando condições de navegação pelos rios que: 
 
 
A companhia concessionária organizaria estabelecimento de apoio ao tráfico, em locais escolhidos e fiscalizados pelo capitão-general. Determinava-se a criação de “feitorias” na barra do rio Mequém e na região do fortim Nossa Senhora da Conceição. O fluxo comercial e regularidade da navegação ligavam-se à segurança da fronteira. (NUNES, 1985, p. 150) 
 
 
Sem recurso para a construção do Forte, Luiz de Albuquerque enfrentou sem medo a censura de Pombal as empreitadas administrativas a que se lançara. Os gastos ultrapassavam os recursos da capitania. Obstinado, perseverou nos propósitos da coroa, cujo alcance seria mais tarde reconhecido, acreditando em seu alto significado político capaz de justificar os elevados sacrifícios que a todos sobreviriam. 
 
 
Segundo José Maria de Souza Nunes, no quadro do memorável governo de Luiz de Albuquerque, entre as admiráveis realizações que se registra, sobreleva-se a obra maior da consolidação da fronteira ocidental, cujo marco mais expressivo é o Forte Príncipe da Beira (NUNES, 1985, p.161). Já para Gilberto Freyre, a fama de perdulário que parece ter sido ganho por Luiz de Albuquerque, junto a Pombal, nos primeiros dias de fidalgo da Casa de Ínsua no governo de Mato Grosso, não corresponderam fatos que a confirmassem (FREYRE, 1978, p.163). 
 
 
Para Cruxen (2011), as fortalezas sempre foram utilizadas como marcas de presença para construção de um território, não servindo apenas como marcas de monumentalidade arquitetônica CRUXEN (2011, p.11), mas principalmente por sua grande expressividade retórica.  
 
 
O conjunto de fortificações que foram implantados pela coroa para balizar as linhas divisórias procurou manter a segurança da colônia portuguesa na América do sul, sendo erguidos com esforços e resistências de seus principais colaboradores, o índio e o negro que foram mantidos como mão de obra forçada pela coroa. Para manter a consolidação do território da capitania de Mato Grosso no século XVIII, o Real Forte Príncipe da Beira, surge como marco de consolidação e ocupação permanente desse novo espaço que se anexava a coroa portuguesa, permanecendo como símbolo de uma conquista de um território que começou no século XVI. 
 
 
O processo de construção das fortalezas iniciadas no século XVI teria sua consolidação no Oeste da Capitania de Mato Grosso no século XVIII, restando ao Real Forte Príncipe da Beira a função de proteger, guardar e manter a segurança do território conquistado pela coroa portuguesa.
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