A realidade jurídico-tributária do país impõe perguntas mandatórias: - quem ganha com o caos tributário? - o que se ganha com esse estado de coisas que o grande Augusto Alfredo Becker, grande arquiteto da doutrina tributária brasileira, alcunhou de "Manicômio Jurídico Tributário? O universo das relações entre cobradores e pagadores de impostos pode ser ilustrado, por exemplo, a partir dos dados do CNJ em números: execuções fiscais são responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário "representando aproximadamente 39% do total de casos pendentes e congestionamento de 87% em 2019" (https://www.cnj.jus.br/justica-em-numeros-execucao-fiscal-eleva-arrecadacao-do-judiciario/. Segundo dados do próprio CNJ, "A taxa de congestionamento de execução fiscal na Justiça Federal chega 93%" (https://www.cnj.jus.br/justica-em-numeros-execucao-fiscal-eleva-arrecadacao-do-judiciario/).
Fora tudo isso, ainda temos as severas e fundamentais discussões em matéria tributária instaladas nos Tribunais Superiores com massivos efeitos sobre o ordenamento e sobre os contribuintes. As falhas das autoridades fiscais brasileiras e das próprias fazendas (nacional, estaduais e municipais) geram ainda milhões de processos administrativos fiscais que se amontoam sobre prateleiras e estão mais propensos a serem tomados de mofo do que a originar decisões administrativas orientadas a justiça fiscal.
O problema tributário-fiscal brasileiro tem dimensão estrutural e deve preocupar toda a sociedade e não somente empresários e empresas. Pessoas físicas recolhem impostos todos os dias quando fazem modestas transações da vida cotidiana como comprar leite ou café. O problema tributário lhes afeta todos os dias. E não só na forma de uma tormentosa carga tributária mas, por exemplo, onerando o judiciário com infindável quantidade de execuções judiciais e congestionando, assim, as filas de processos para julgamento. O sistema tributário brasileiro torna empreender muito caro assim como torna a justiça lenta. Tudo isso faz nossa sociedade impaciente e portanto urge solução.
O quadro, no entanto, é extremamente complexo e não há solução mágica e instantânea. Existe, sim, conjuntos de boas medidas e boas práticas que adotadas, reiterada e incutidas na culturas das organizações e instituições podem, a longo prazo, conferir ganhos evolutivos para nossa justiça fiscal.
É nesse contexto que afirmo - Poderia ser poupada razoável parcela do esforço dispendido pelas autoridades governamentais e legislativas na elaboração de soluções, que imaginam criativas, para o estabelecimento de uma convivência mais harmoniosa entre o povo que paga impostos e o governo que os recolhe.
Bastaria, por exemplo, que fosse finalmente aplicado o que já existe na legislação. Tomemos por exemplo a lei nº 1.340, de 26 de junho de 2015, que trata da mediação, entre particulares, como meio de solução de conflitos e controvérsias no ambiente da administração pública e seria absolutamente colher em pouco tempo razoável percentual de extinção de ações tributárias. Não se pode ignorar que texto legal proibiu expressamente a celebração de acordo com a União, porém isso foi superado pela Medida Provisória 899/19 – “MP do Contribuinte Legal” -, convertida na lei nº 13.988 de 14/04/2020.
Ela estabelece, no âmbito da administração federal, a possibilidade de descontos de até 50% sobre o total da dívida. O percentual pode ser elevado para até 70% no caso de pessoas físicas e micro ou pequenas empresas, também beneficiados com a elevação de 84 para até 100 parcelas mensais o pagamento do valor pactuado do débito. A lei oferece ainda a possibilidade de concessão de moratória – carência para o início dos pagamentos. Isso traduz a perspectiva de regularidade fiscal para 1,9 milhão de devedores, com débitos da ordem de R$ 1,4 trilhão. Os processos de execução fiscal representavam, em 2017, 75% entre as execuções do Judiciário e 38% do total de casos pendentes, segundo o CNJ.
A procuradora Cleide Pompermaier, de Blumenau, anuncia a bem sucedida adoção da Transação Tributária em seu município, para lembrar o artigo 171 do Código Tributário Nacional – CTN. Ele estabelece que “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário”. Ela esclarece que “o intuito da transação tributária é dirimir conflitos. Dirimir conflitos é interpretar a legislação relativa a obrigações tributárias conflituosas e dar um basta à lide. Esse basta pode se dar por meio de concessões mútuas e consequente extinção do crédito tributário”.
- “A missão do agora é a desburocratização – continua ela - e desburocratizar é encurtar caminhos, como costuma dizer o nosso colega de profissão Luciano Arthur Hutzelmann. O grande norte da autocomposição é lançar mão de uma burocracia que assola o país e ir ao encontro de soluções que desmistifiquem o direito tributário e o próprio Poder Judiciário. As medidas devem ser de ordem prática e que alcancem resultados positivos seja para o contribuinte, para o Judiciário e para o Poder Público. A verdade está em dizer, em suma, que novas medidas devem ser adotadas pelos Entes Federados, “a fim de que os mesmos continuem no mercado”.
Cleide Pompermaier recorre a trecho de um consistente artigo, assinado por Diana de Barros Lobo e Phelippe Pires de Oliveira, para esclarecer que: - “O primado de indisponibilidade do interesse público deve ser interpretado em vista de um interesse maior de efetividade da jurisdição, de estabilização das relações jurídicas e interesses gerais da sociedade. Essa perspectiva mais ampla já orientou diversas iniciativas do Estado, a exemplo da possibilidade de conciliação dos entes públicos em Juizados Especiais, a permissão para que os procuradores públicos não apresentem recursos de matérias pacificadas, entre outras. Nesse sentido, a verdadeira perseguição do interesse público levaria justamente à possibilidade de solução alternativa também para a conclusão de litígios tributários”.
No momento em que se busca estabelecer, pela reforma tributária, todo um conjunto de normas legais para o que se convencionou chamar de “novo normal” do Brasil pós covid, convém não desconsiderar o que já está pactuado na Constituição da República. A Carta indica expressamente, no artigo 37, caput, os princípios da Administração Pública (direta e indireta): legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Aparentemente simples e objetivo, o texto constitucional esbarra, porém, na fragilidade do arbitramento discricionário do administrador público, que, não raras vezes, sacrifica a eficiência em favor de uma pretexta moralidade.
Outra possibilidade é tomar o problema sob a perspectiva econômica. O custo social do complexo sistema tributário nacional e o custo social que onera o sistema de justiça em razão do infindável estoque de execuções fiscais e da belicosa relação entre fisco e contribuinte. Essa perspectiva econômica do problema jurídico no contexto do mundo pós-pandemia é tema de relevantíssima serventia para o desenho institucional da relação fisco-contribuinte.
A simplificação dos procedimentos burocráticos-fiscais e a composição por vias conciliatórias se constituem como medidas de redução razoável do custo de operação das empresas brasileiras e como medida de redução das altíssimas taxas de congestionamento de processos na justiça brasileira - medida aliás de amplo alcance social. Isso, por exemplo já seria uma grande medida de economia para o sistema de justiça, pois implicaria na economia de milhares de horas de trabalho de nossos tribunais todos os anos.
Tais medidas não exigem inovações legislativas seriam possíveis a partir de maior conformidade das fazendas públicas com suas próprias regras.
O desafio institucional pós-pandêmico é criar incentivos para o desenvolvimento do setor produtivo e a geração de empregos. O Estado pode optar entre medidas de não intervenção - por orientações teóricas dogmáticas - ou de intervenção positiva, ou seja, através de concessões fiscais como desonerações - por orientação teórica não dogmática-, mas não é uma possibilidade ser óbice à retomada econômica. Não é recomendável que em período de retração econômica se crie óbices ao desenvolvimento de um ambiente de negócios que fomente o setor produtivo.
A redução de multa, juros e o parcelamento de débitos fiscais sempre levantam polêmicas como por exemplo de que se trata de benefício que se concede a uma casta de privilegiados. Cada caso merece ser escrutinado individualmente. A política de concessão desses benefícios demanda escrutínio social. A questão é que o atual cenário econômico de retração demanda crédito público para a retomada. Ao invés de se tirar mais dinheiro dos contribuintes para distribuir para grandes empresas aptas ao crédito via Bancos estatais, se pode outorgar crédito na forma de redução de dívidas fiscais e se injetar da forma mais rápida e eficaz dinheiro na economia.
É óbvio que o país urge por uma profunda e ampla reforma fiscal, mas enquanto isso não chega não podemos esperar indefinidamente por Godot, pequenas medidas já autorizadas legislativamente podem fazer grande diferença. Se o fisco cumprir a lei e decidir mediar seus conflitos prestará grande serviço ao país e a retomada econômica. Se tomarmos novas medidas de redução da burocracia fiscal e novas possibilidades legislativas de composição das demandas fiscais isso pode se traduzir como injeção de crédito na economia local.
É fundamental, para o país e para a população, que mecanismos sejam implementados para considerável parcela do potencial arrecadador não fique retido em intermináveis – e infrutíferas - demandas judiciais. A recuperação do país da crise gerada pelo vírus exige soluções criativas. Os mecanismos legais aí estão, a apontar caminhos virtuosos. Para fortalecer a arrecadação, regularização fiscal do empresariado e recuperação dos postos de trabalho perdidos pela população.